Prêmio ABD/Apeci | 21º Festcine - Festival de Curtas de Pernambuco:
Vivemos tempos sombrios no que diz respeito à valorização da produção
audiovisual nacional. Diversos e recorrentes ataques nos colocam frente a
um retrocesso político, econômico e social. São momentos em que muitas
janelas se fecham e o apoio à produção audiovisual, (sobretudo a
produção independente) sofre forte ataque; manifestado através de
censura, encerramento de editais de incentivo à cultura e perseguição
dos que pensam e produzem arte em nosso país.
Por entendermos o
audiovisual enquanto uma ferramenta de luta que possibilita uma resposta
a todo esse retrocesso, acreditamos na importância de festivais como o
FESTCINE; onde mergulhamos, durante uma semana, em diversas narrativas
de corpes não hegemônicos, de artistas que produzem em diversos lugares e
nos atravessaram com as suas ideias. Parabenizamos os que tornaram
possível o acontecimento desse festival.
A ABD/APECI - Associação
Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas / Associação
Pernambucana de Cineastas tem como objetivo destacar as obras que
atendem a uma perspectiva de representatividade política, social e
criativa. Dessa maneira, o júri aqui formado por Helder Lopes, Maria Aparecida
e Mônica Monteiro gostaria de premiar o documentário "A última feira",
de Tharciele Santiago, por ter conseguido captar com urgência artística a
realidade recente dos ambulantes realocados no entorno do Mercado de
São José, a partir das vozes dos próprios sujeitos. Pela capacidade
criativa e a força da sensibilidade narrativa em voltar as lentes do
debate à violência contra a mulher negra e periférica, protagonizado
impecavelmente por corpos também negros e periféricos, que estiveram
durante os seus 19 minutos alinhados à uma notável abordagem técnica,
premiamos "Rosário", de Juliana Soares e Igor Travassos.
Entendendo que outras obras também trouxeram à tela inovações técnicas,
artísticas e estéticas, oferecemos menções honrosa aos documentários
"Linha da Mão", de Victoria Drahomiro, que captou de maneira furtiva a
intimidade das famílias que ilustraram a tela; "Marie", de Leo Tabosa,
que trouxe de maneira igualmente afiada e sensível a narrativa de uma
mulher trans em conflito familiar, representada por uma mulher trans, no
país que mais mata travestis no mundo; nos levando à reflexão acerca da
necessidade de uma representação não hegemônica em todos os espaços.
Partindo da mesma necessidade, concedemos menção honrosa também ao
documentário "Legado e Resistência" e ao "Brega Protesto", ambos de
direção coletiva, que apontam à imponência da representação de corpos
negros e periféricos da comunidade do Bode e de Caranguejo Tabaiares. Ou
melhor: Caranguejo Tabaiares Resiste, por considerarmos que os dois
contemplam uma abordagem que faz refletir, diverte e contesta em mesma
medida. Dedicamos essas menções a todos os filmes construídos
coletivamente, exibidos essa semana. Ao documentário "Elos", de Juliana
Lima, em que sua visibilidade se faz urgente pelo momento em que
infelizmente ouvimos gritos de intolerância e preconceito; à Ficção
"AA-", de Pedro Ferreira, que combina inovações técnicas e estéticas em
captação de imagens, deslocando o público a uma agonia compatível com o
critério de incômodo que a arte também nos permite. Pela sensibilidade
ilustrada, ressaltamos a animação "Não Moro Mais Aqui", de Laura de
Araújo e o filme experimental de Ana Gabriela e Sofia de Oliveira, "Ouça
o corpo falar".
Por fim, destacamos que o cinema nos
possibilita uma aproximação do todo e de nós mesmos e essa só é possível
a partir de uma real pluralidade representativa; que se dá, em tempos
difíceis, através da resistência e do fortalecimento de narrativas que
ocupem espaços historicamente negados a todos os povos.
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A lista das obras premiadas pode ser vista em - https://bit.ly/2Pv3kE9