Carta do Júri ABD/Apeci - XII Janela Internacional de Cinema do Recife


No Brasil, o ano de 2019 se mostra uma perversa movediça política
que destitui cotidianamente garantias individuais e coletivas de cada um
de nós aqui reunidos, trabalhadores da cultura e do audiovisual. O
esfacelamento da política cultural através da extinção do Ministério da
Cultura, a censura de obras, a insegurança sobre a manutenção dos
acordos da ANCINE, a manipulação política sobre as cadeiras do onselho
Superior de Cinema são alguns dos ataques que sofremos.
Nesse
cenário, é da maior importância lutarmos coletivamente pela manutenção
dos espaços de produção e exibição que se transformam em espaços de luta
pelas garantias básicas de dignidade ao nosso pleno exercício
profissional e por uma política cultural democrática e popular.
A
mostra competitiva de curtas brasileiros deste ano reforça a
necessidade de reconhecer e dar suporte às obras audiovisuais dos povos
originários, infelizmente pouco representados no festival; das pretas e
pretos; das travestis, transexuais e todos aqueles que não se conformam
as normativas do cis-tema, como fundamental para criar novas leis e
garantir uma mudança de rota em direção à construção política, cultural e
social do país que queremos: democrático, popular, diverso e inclusivo.
A ABD/APECI - Associação Brasileira de Documentaristas e Curta
Metragistas / Associação Pernambucana de Cineastas e o júri aqui formado
por Danielle Valentim, Juliana Gleymir
e Ícaro Muniz tem como papel dentro do Festival apontar o filme que se
destaca a partir da representatividade social e política e reconhecer a
criatividade da obra.
Por expressar o ponto de vista das milhares
de pessoas negras que sofrem com as perversas práticas punitivas do
Estado; contra o genocídio da população negra e pelo abolicionismo
carcerário, a primeira menção honrosa vai para: Sete dias em Maio, de
Affonso Uchoa.
Pela necessidade de reafirmar as relações de afeto
e sua importância, inclusive política, pela qualidade técnica e
estética propondo formas criativas de cinematografia, a segunda menção
honrosa vai para: Looping, de Maick Hannder.
O curta Ilhas de Calor,
do alagoano Ulisses Arthur, é pautado por críticas à estrutura social
que atropela o cidadão em diversos aspectos: a falta de acesso à
educação e qualidade da mesma; o descaso com o ofício dos professores; a
construção de uma masculinidade perversa que pauta formação de jovens e
os insistia à violência contra as mulheres e os homosexuais, etc. Porém
em meio a tantas críticas o filme traz uma mensagem positiva construída
através do afeto e da união que são apresentados como ingredientes
essenciais à transformação social.
Por um cinema protagonizado
por travestis pretas e macumbeiras que nos concedem o êxtase de olhar na
tela do cinema a potência da força criativa e de transformação social
do audiovisual através dos mapas de liberdade traçados pelas
experiências de vida das travestis, pela resistência das religiões de
matriz africana que estão sob ataque, pela contravenção das formas de
fazer cinema, contra as hierarquias racistas, misóginas e classistas das
canonizações cinematográficas, pela visibilidade e vida de todas às
travestis, o prêmio de melhor filme vai para: Para todas as moças, da
Castiel Vitorino.
Por fim, gostaríamos de destacar a importância
da união da nossa cadeia produtiva como um todo, que vai dos produtores
independentes do agreste e do sertão pernambucano, passa pelos jovens
pretos e pretas das periferias de Recife e chega às grandes produções
que levam o nome do nosso cinema pro mundo. É de extrema importância
entender as nossa especificidades e diferenças e nos fortalecer nelas
para assim, criar uma forma artística plural, democrática, popular e
igualitária de se fazer cinema! Avancemos!
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