ALTERAÇÃO
RADICAL SEM CONSULTA, COMPANHEIROS?
O Governo de Pernambuco,
por meio da Secretaria de Cultura e da Fundarpe, apresentou, ontem, 12 de
novembro de 2015, num reunião pública convocada 48 horas antes, uma proposta de
mudança no Sistema de Incentivo à Cultura do Estado. Não foi proposta uma
mudança no Funcultura, mas no sistema de incentivo para a cultura em geral.
Algo muito mais amplo que uma mudança no Funcultura e, portanto, muito mais
sério.
Esta foi a PRIMEIRA VEZ que se falou abertamente sobre o tema com uma
proposta de mudança no Sistema sem que fosse através de uma audiência pública.
Praticamente uma coisa informal e com a mesma articulação sem transparência que
é feita em relação ao projeto do Cais José Estelita, quando costumam chegar com
um projeto pronto sem considerar a opinião de ninguém do setor.
Foram seis horas de
encontro e muito poucos dados concretos apresentados.
A PREMISSA DA SECRETARIA
DE CULTURA, COMO APRESENTADA PELO SECRETÁRIO MARCELINO GRANJA E PELA PRESIDENTE
DA FUNDARPE, MARCIA SOUTO:
O Governo de Pernambuco
fala que quer aumentar o investimento do Funcultura de 30 milhões para 35
milhões de reais. Para isso, está sendo proposta a abertura de convocatórias
para empresas que desejem colocar dinheiro na Cultura. Se o valor das empresas
não chegar aos 35 milhões, o governo garantiria o complemento para fechar esse
valor.
A empresa que quiser doar
um percentual em torno de 20% do valor do Funcultura (7 milhões) a mais (além
das cotas negociadas pelo governo) teria direito de ter sua marca anexada a
todos os projetos selecionados pelo fundo. Segundo o secretário, nada mudaria
no sistema de seleção dos projetos e na liberdade dos artistas de proporem
projetos.
Assim, nos planos do
governo, o Funcultura sairia de 30 milhões para: 35 milhões + 7 milhões de
incentivo com anexação de marcas, totalizando 42 milhões.
O projeto apresentado pelo
Governo de Pernambuco ressuscita ainda o Mecenato via isenção fiscal do ICMS
para projetos de orçamentos altos com foco na captação através de grandes
empresas e cria linhas de Microcrédito. Segundo a equipe da
Secretaria de Cultura, o projeto está pronto para ser enviado à Assembleia
Legislativa de Pernambuco antes do dia 20 de novembro de 2015, mesmo sem
qualquer participação social ou popular em sua construção.
MAS A QUE CUSTO?
O risco de
retrocesso é iminente e o desafio de mobilização é gigante, afinal, o Governo
do Estado tem maioria na Assembleia Legislativa e ontem ficou claro que o
secretário de Cultura vai enviar o projeto sem qualquer participação social em
sua construção. Algumas considerações e questionamentos:
1. Mecenato e a
concentração de recursos: Todas as experiências de mecenato cerceiam a
liberdade artística, pois nesse mecanismo as grandes empresas elegem apenas
projetos que sirvam como publicidade para suas ações de mercado. Nesse sentido,
o mecenato favorece eventos de grande porte com orçamentos altos, gerando assim
a concentração de um volume alto de recursos na mão de poucos produtores. A
demanda por mecenato não é de produtores pequenos e médios, mas sim de grandes
produtores e das grandes empresas. Sabendo disso, por que o é que o secretário
de Cultura, Marcelino Granja, decidiu formular uma minuta de projeto de lei a
portas fechadas em seu gabinete sem participação dos fazedores de cultura?
2. Falta de
transparência do Funcultura governamental: O secretário de Cultura afirmou que
o governo irá usar até 40% do valor do Funcultura para projetos definidos pelo
próprio governo. Não estabeleceu nenhum mecanismo de participação sobre como
esses projetos serão definidos e escolhidos. Os ganhos que o setor cultural
teve na forma de um edital público que define os projetos aprovados com critérios
claros e comissões técnicas, ficam dissolvidos nessa proposta de uso dos
recursos do Funcultura para projetos de interesse do governo. Segundo o
secretário, hoje, pela lei do Funcultura, o governo poderia usar 100% dos
recursos sem participação social e usa esse argumento para dizer que será um
avanço limitar a 40% o uso dos recursos do Funcultura para projetos definidos
pelo governo. Mas nos últimos anos, segundo o secretário não tem havido
Funcultura Governamental, e os avanços na produção independente decorrentes
disso são visíveis. Quais os mecanismos de transparência para aprovação de
projetos no Funcultura Governamental?
3. Relato histórico
do mecenato em Pernambuco: Antes da criação da lei do Funcultura, uma
legislação que cria o Sistema de Incentivo à Cultura de Pernambuco, havia
mecenato no estado de Pernambuco, nos mesmos moldes que o Secretário de Cultura
e o Governo do Estado pretendem por em vigor agora. Naquela época, eram
notórios os casos de favorecimento com a participação de lobistas e
intermediários que faziam a ponte com as empresas e exigiam percentuais dos
projetos para pagamento desse agenciamento por fora da contabilidade. Os
profissionais de marketing das empresas, que decidiam sobre a destinação dos
recursos de isenção fiscal, também utilizavam-se desse mecanismo pouco
transparente para cobrar taxas dos projetos para sua aprovação. Essas
tratativas aconteciam em salas fechadas nas empresas e em reuniões privadas.
Qual o benefício de retomar um mecanismo maculado de um histórico de corrupção?
4. Não é um
investimento privado ou dinheiro novo quando se trata de mecenato: O mecenato
não configura-se em um investimento das empresas, mas sim na renúncia fiscal de
um valor estabelecido pelo governo. Ou seja, o governo determina quanto está
disposto a deixar de receber nos cofres públicos anualmente e esses recursos
são direcionados pelas empresas aos projetos que acharem estratégicos em suas
campanhas de marketing e publicidade. Quando há contrapartida com investimento
direto das empresas, isso fica restrito a percentuais reduzidos (de 5% a 20%).
Ou seja, quem financia os projetos continua sendo o dinheiro público apenas com
um deslocamento do poder decisório que sai das mãos da sociedade para os
escritórios de marketing e publicidade do empresariado. Se o Governo do Estado
está disposto a direcionar para a cultura um valor adicional através de isenção
fiscal de recursos que hoje vão direto para os cofres públicos, por que não
direcionar esses valores para o Funcultura? Isso ampliaria o volume de recursos
no fundo para atender à crescente demanda e parte desses recursos poderia ser
utlizada para estruturação da Fundarpe e dos processos de gerenciamento. E,
nesse sentido, por que não dar esse primeiro passo de imediato com a arrecadação
em curso ao invés de criar um novo mecanismo de forma açodada?
5. A lei que
estabelecia o piso de recursos do Funcultura foi cancelada: O Governo do Estado
revogou a lei que estabelecia em um de seus artigos o piso mínimo de recursos
para o Funcultura, portanto, atualmente não há nenhuma garantia para destinação
de recursos ao fundo nos patamares conquistados pela sociedade. E, de repente,
a secretaria de Cultura surge com uma proposta de reformulação completa do
sistema de incentivo, desconsiderando os processos democráticos de construção
de políticas públicas, como as Conferências Estaduais de Cultura, só para citar
um exemplo. Agora, o secretário de Cultura afirma que há urgência no envio do
projeto para a Assembleia Legislativa do Estado. Qual é o motivo dessa
urgência, se ainda nem foi eleito o novo conselho de cultura que tem formato
mais democrático? Uma proposta que altera tão profundamente o sistema de
incentivo à cultura no estado, não deveria passar pelo crivo dos representantes
dos segmentos culturais em sua instância democrática (o conselho estadual de
políticas culturais que está sendo formado)?
6. Processos
antidemocráticos: Durante a reunião de 12 de novembro de 2015, convocada pela
Secretaria de Cultura apenas dois dias antes, em 10 de novembro de 2015, o
secretário de Cultura deu reiteradas demonstrações que não estava disposto a
nenhum encaminhamento que não fosse o qual ele já havia pré-definido antes
mesmo da reunião: enviar a minuta do projeto de lei formulada em seu gabinete
até o dia 20 de novembro para a Assembleia Legislativa. Qualquer pedido de
transparência e participação de debate com os segmentos culturais era rechaçado
pelo secretário de Cultura sob o argumento que “cada um tem sua opinião e não
podemos ficar eternamente discutindo”. Mas por que citar uma suposta
“eternidade”, quando o que propõe é um regime de urgência que não tem qualquer
fundamento em processos democráticos de participação social e popular? A que se
deve essa urgência? O argumento de que “cada um tem sua opinião” serve,
portanto, para que prevaleça a opinião do secretário no gerenciamento da
política cultural? Como fica a política pública para a cultura nessa forma de
agir centralizadora, arbitrária e autoritária?
7. Falta de
transparência quanto ao gerenciamento da conta do Funcultura: Em sua
apresentação durante a reunião de 12 de novembro de 2015, o secretário de
Cultura fez referência a uma série de informações sem estabelecer claramente
quais eram as fontes das mesmas e também sem apresentar documentação válida
para esclarecer minimamente como se dá a gestão financeira do Funcultura.
Quando perguntado por que da diferença entre o valor depositado na conta do
Funcultura anualmente (R$ 30 milhões oriundos de um percentual do valor de ICMS
pago pela Celpe) e os sucessivos editais do Funcultura com valor de R$ 33,5
milhões, o secretário disse que simplesmente “aconteceu”. Por que a secretaria
de Cultura não divulga os extratos da conta do Funcultura? Qual o valor dos
rendimentos em aplicação dessa conta?
8. Concurso público
para a Fundarpe e infra-estrutura para gestão: O secretário de Cultura passou
todo o tempo de reunião de 12 de novembro de 2015, tentando convencer os
presentes da necessidade de enviar a minuta do projeto de lei formulada em seu
gabinete à Assembleia Legislativa. No entanto, alguns problemas gravíssimos e
certamente urgentes como o sucateamento da Fundarpe não foram priorizados em
seu repentino empenho legislativo. O projeto que o secretário propõe prevê
mecanismos complexos de gerenciamento. Quem irá gerir esses procedimentos já
que recentemente houve uma demissão em massa de funcionários terceirizados da
Fundarpe e o corpo de funcionários concursados é ínfimo para o montante de
recursos?
9. A inclusão do capital financeiro nas políticas culturais: Sob
o argumento de que é necessário diversificar os mecanismos de fomento à
cultura, o secretário de Cultura empenha-se em incluir o capital financeiro nas
políticas culturais do estado. A proposta do secretário de Cultura prevê, por
exemplo, que as empresas que derem uma contrapartida de 20% ao valor que
depositaram via isenção fiscal no Funcultura (com cotas de R$ 5 a 15 milhões)
terão suas marcas gravadas em todos os produtos culturais incetivados! Ou seja,
todas peças de teatro, filmes, discos, apresentações da cultura popular e
projetos em qualquer segmento terão que incluir a marca dessas empresas!
Imagine uma apresentação artística ter que incluir a marca de uma empresa a sua
revelia, já que não haverá mais um fundo público, mas sim um fundo híbrido
(recursos públicos através de isenção fiscal para empresas de grande porte e o
patrocínio em proporções reduzidas dessas mesmas empresas). Qual o impacto
disso para os valores simbólicos da cultura pernambucana a curto, médio e longo
prazo?
QUESTIONAMENTOS NO DEBATE
APÓS A APRESENTAÇÃO:
- As pessoas questionaram
a obrigatoriedade do uso da marca de empresas em seus projetos. Se o projeto
for um filme que discuta meio ambiente, vai ser obrigado a ter a logomarca de
uma empresa que colabora com a destruição deste? Como é isso?
- O Secretário disse que
essa discussão apareceu entre eles mesmos, que poderia rever o modo de operação
com as marcas, mas chegou a dizer que, da mesma maneira que a empresa não pode
escolher o artista, não seria grave os artistas terem que usar marcas que eles
não concordam.
- O produtor do CinePE
aconselhou o governo a desistir dessa história de associar marcas e colocou que
ele deveria assumir o Fundo e deixar a relação com empresas apenas no Mecenato.
- Diversos produtores independentes
são contra o sistema de Mecenato, porque leva ao mesmo problema da Lei Rouanet:
pequenos projetos não conseguem captar, projetos no interior não conseguem
captar. Corre-se o risco do Mecenato virar um edital somente para grandes
projetos.
- Um rapaz do interior
colocou uma coisa basilar: o governo está falando de interiorização, mas fez a
reunião de debate na capital. Diversos produtores do interior não puderam vir.
Ele propôs que a apresentação fosse feita nas outras macrorregiões.
Essa opção de fazer
reuniões no interior para discussão e remodelamento da proposta foi feita
várias vezes, durante o debate, e não foi considerada.
- Outros produtores
culturais pediram que fossem feitas audiências públicas e o secretário disse
que não era necessário. As pessoas insistiram que um projeto dessa magnitude,
que mexia com todo o sistema de cultura precisava ser construído com o setor,
em diversas reuniões e com a formação de um grupo de trabalho.
- O secretário ficou o
tempo todo alegando que não ia adiantar nada ter várias reuniões e audiências
porque as pessoas têm várias opiniões. Disse que essa era a proposta do governo
e que eles poderiam fazer modificações que eles avaliassem ser pertinentes a
partir do debate.
- A postura do secretário
de relativizar os pedidos, alegando opiniões diferentes entre as pessoas,
irritou muito os presentes. Muita gente ficou boquiaberta com o que estava
ouvindo. Como é que um secretário minimiza os pedidos da sociedade civil para
construir grupos de trabalho, audiências e elaborar a proposta alegando falta
de consenso?
- Levantou-se a questão de
criar uma proposta deste tamanho quando a Fundarpe foi reduzida ao pó. Centenas
de demissões, salários atrasados, cortes de orçamento e desmantelamento de
programas essenciais para a cultura.
- Como o projeto trata do
Sistema de Incentivo à Cultura geral e não apenas do Funcultura, questionamos o
que seria esse incentivo para comunidades indígenas, quilombolas e periferias.
Além de ser estranho eles serem colocados todos no mesmo grupo, como se fossem
“o que sobra”, havia, dentro da Fundarpe programas grandes e específicos para
cada uma dessas áreas, em termos de formação, incentivo cultural e suporte aos
Pontos de Cultura que foram desmobilizados e/ou fechados. O que significa,
então, essa participação nesse sistema? Significa que o único apoio recebido
por todos esses grupos, comunidades e projetos é apenas “o que sobra” do
Funcultura? As demais estruturas e programas serão recuperados? Se sim, como e
com quais propostas?
- Considerando, como
outros produtores trouxeram, que a cultura para vários segmentos do interior é
responsável pelo equilíbrio de uma cadeia que está relacionada com saúde,
educação e sustentabilidade dos patrimônios, como isso pode ser tratado assim?
- Uma produtora trouxe que
o governo estava considerando micro-projetos nas periferias, quando há diversos
projetos nas periferias que são imensos. Projetos indígenas e quilombolas que
são de grande porte e precisam de apoio. As questões relativas a esse tema não
foram respondidas. O secretário ficou batendo na tecla dos micro-projetos.
- Dentro do sistema de
Mecenato, uma das linhas de apoio prevê que empresas privadas possam apoiar
projetos de infra-estrutura de espaços públicos destinados à cultura. Um produtor
questionou que infra-estrutura dos espaços públicos possui orçamento de outras
secretarias dentro do governo. Por que, então, esse valor vai sair dos
investimentos aos projetos culturais? O que significa, por exemplo, pegar um
espaço como o MISPE e propor um projeto cujo apoio venha da Moura Dubeux?
Considerando que as empresas privadas têm uma relação super esquisita com as
gestões públicas, por causa dos financiamentos de campanha, quais os impactos
desses patrocínios aos espaços públicos, se eles são responsabilidade pública?
- Outro questionamento,
que sequer foi ouvido, dada a confusão, foi o da conta do Fundo e da conta do
Mecenato. Hoje, o grande problema é que os recursos para cultura é que tudo é
conta única. A conta do Funcultura seria única, separada de outras contas do
governo e da conta do Mecenato?
- O Funcultura
Governamental seria construído como e com quais critérios? Para quem seria
destinado?
- A presidente do
Funcultura disse que estava assustada porque os presentes não estavam confiando
neles. Disse que a nossa argumentação era frágil e que não estávamos debatendo
o foco da lei (que era “apenas” aumentar o Funcultura e criar o Mecenato).
Disse que o miudinho poderia ser discutido e definido depois via decreto.
Diversos produtores reforçaram que não queriam construir assim, que queriam
pensar bem e detalhadamente a proposta antes dela ser colocada em pauta.
- Todos ficaram nervosos:
os presentes porque suas propostas de construção em conjunto estavam sendo
negadas e o governo porque não estava conseguindo convencer as pessoas de que a
proposta era boa o suficiente. Então, entendemos o motivo do processo: eles
estão sendo pressionados para votar a lei esse ano (para entrar na propaganda
governamental do ano que vem?). O prazo para entrega na Alepe é dia 20 de
novembro (em uma semana).
- Insistimos em não votar
isso esse ano e construir direito. O secretário insistiu que a discussão
poderia ser feita depois que o projeto fosse enviado para a Assembléia
Legislativa. Insistimos que não, uma vez que na Alepe o governo tem maioria
entre os deputados e as construções dadas nessa instância dificilmente mudam
estruturas importantes para os setores culturais.
- Um produtor colocou que
a votação do Conselho Estadual de Cultura ainda nem aconteceu. Que podia eleger
o conselho que essa pauta pudesse ser discutida pelo conselho, também. O
secretário não gostou da proposta. Ele reafirmou que por ele votaria esse ano.
- Insistimos que eles,
como poder público, eram funcionários que deveriam acolher nossas demandas, mas
ele ficou na posição de que, como governo, eles podiam propor a qualquer
momento.
- Insistimos em fazer
audiências fora da Alepe. Ele disse que podíamos fazer quantas conversas
quiséssemos, desde que o projeto fosse apresentado na Alepe até o dia 20. O
processo terminou super tenso, às 23h40, com eles decidindo ter uma audiência
pública na Alepe dia 18 de novembro (dois dias antes do prazo) e com o
secretário dizendo que, como governo, eles podem mandar a proposta independente
do setor cultural aprovar.
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