domingo, 9 de dezembro de 2018

Premiação Júri ABD/Apeci - 20º Festcine - Festival de Curtas de Pernambuco


Entre 03 e 08 de dezembro, durante a 20ª edição do Festcine - Festival de Curtas de Pernambuco, o júri da ABD/Apeci foi formado por Maria Samara, Márcio Martins e José Alberto Júnior.

Ontem, durante a cerimônia de premiação do festival, o júri concedeu os prêmios da entidade com o seguinte texto:

A ABD/Apeci (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta metragistas de Pernambuco/ Associação Pernambucana de Cienastas) representada por Maria Samara atuante do grupo Mulheres no Audiovisual de Pernambuco, pesquisadora na área de relações sociais de gênero no cinema, realizadora audiovisual; José Alberto Júnior, diretor, montador, assistente de direção, facilitador de oficinas audiovisuais e Márcio Martins, aluno do curso de Cinema e audiovisual, assistente de som, roteirista e diretor assistiram e analisaram as sessões competitivas dos curtas-metragens exibidos nas mostras geral e de formação durante toda a semana do 20º Festcine, com o intuito de premiar filmes que provocassem reflexão crítica sobre o contexto político-social, para além da técnica e do preciosismo das produções fílmicas. Os filmes escolhidos, portanto, partem da premissa de que o olhar político e crítico lançado na análise dos curtas são e foram substanciais para esta premiação.

Numa semana onde os sentimentos proporcionados pelos 64 curtas nos tocaram de forma simbólica, percebemos que os filmes de narrativas urgentes, onde a representatividade foi colocada dentro e fora das câmeras, apontam para a reflexão de que a técnica não é a única forma de falar sobre algo e que não precisa necessariamente ser uma prioridade, mas o dizer e o falar já indicam uma existência política do fazer cinema. Assim, a linguagem técnica separa de conteúdo crítico e reflexivo sobre nossas existências políticas tendem a ficar esvaziado de sentido, sobremaneira diante de um contexto social cultural e político onde o avanço do conservadorismo ameaça as nossas vidas e subjetividades.

Narrativas urgentes para nós significa dizer que a política hegemônica como é feita não nos representa e verdadeiramente não nos acolhe, que principalmente não existe uma única forma de fazer política, quando somos corpos políticos travando enfrentamentos diante de verdades “absolutas” que se querem impor sobre nós. A vida é urgente e filmar sobre as diversas vidas carrega o compromisso daqueles e daquelas que filmam de praticar a escuta e o olhar atento, de buscar não reproduzir estereótipos negativos sobre aqueles e aquelas que estão sendo filmados/as, de não reduzir a ampla existência às violências do racismo, da misoginia, da lgbtfobia e do machismo.

Por trazermos estes aspectos, entendemos que há formas políticas e afetivas de utilização das tecnologias, onde narrativas contra-hegemônicas são necessárias para colocar em questão os valores e as normas que perfazem o formato, muitas vezes endurecido e masculinista da cadeia cinematográfica. A mesma cadeia que por longos anos promoveu o apagamento de narrativas como a das mulheres, das pessoas negras e indígenas. As posicionalidades aqui nomeadas nunca estiveram ausentes do cinema, elas estavam a nosso ver presentes, mas invisibilizadas pelas estruturas ideológicas da branquitude burguesa nos modos de fazer cinema.

Importante resgatar o passado, onde no primeiro ciclo do cinema em Pernambuco era proibida o protagonismo de pessoas negras e indígenas nos filmes, porque indicavam atraso, o que parece para nós, reforçar os aspectos da cultura civilizatória norte americana na chegada do aparelho cinematográfico em Recife.

Pensando nisto e por repudiarmos práticas segregatórias, entendemos que não existe apenas uma forma de narrar às trajetórias individuais e coletivas, que estas são constituídas através de resistências e que o cerne da nossa história não foi e não é linear, que se por um lado as políticas do ódio avançam sobre as mais diversas territorialidades, por outro lado estes mesmos territórios estiveram e estão sendo defendidos por quem os habita desde o começo de nossa história, seja através da oralidade, da musicalidade, dos saberes ancestrais, da permanência da memória das culturas afro-indígenas. O júri premia, com muita alegria, na categoria de mostra geral competitiva, “Tempo Circular” de Graci Guarani, cineasta indígena que nos mostra como a nação Pankararu se relaciona e vivencia o tempo. Importante também fazermos referência às mulheres indígenas e seus protagonismos, que são as que vêm ocupando maior espaço no cinema realizado por pessoas indígenas.

O avanço da luta das mulheres por políticas de inclusão e de redução da violência de gênero são pautas que vimos emergir e serem conquistadas após muito enfrentamento travado por elas. As mulheres dos movimentos sem terra estão profundamente envolvidas na busca pelo direito a moradia e pela defesa dos seus direitos, reivindicando protagonismos e participação nas decisões políticas. Essas mulheres nos revelam outra forma de olhar para o ser mulher, porque se apresentam e existem como sujeitas do fazer político dentro e fora das ocupações, colocando o seu lugar de fala e de vida para fora dos estereótipos que confinam as mulheres à papeis fixos e esvaziados. Assim, premiamos na categoria mostra de formação competitiva “Carolinas: as mulheres da ocupação Carolina de Jesus” dirigido por Sofia Lucchesi e André Norões.

Nesta direção, compreendemos que enfatizar a presença das mulheres no cinema como sujeitas de criação e atuação política é uma forma de visibilizar que os seus trabalhos nas lutas feministas ou nas lutas com mulheres é uma articulação que não vem acontecendo apenas na contemporaneidade, é uma continuação da luta de mulheres de gerações anteriores. Importante atentar para o aspecto geracional pois nos chama atenção a sensibilidade política do documentário “A senhora dos Ventos” de Chia Beloto e Rui Mendonça, importante narrativa sobre o encontro entre a Yalorixá Mãe Lúcia de Oyá com jovens e mulheres que organizam o Recital boca no trombone. Fazemos aqui menção honrosa a este trabalho que tem e teve um significado simbólico não só dentro da tela, mas para quem estava fora da tela. Trazer a tradição oral periférica para um cinema no centro lembra-nos, que sem a periferia o centro não vive que a rima, a poesia, a música, nasce na periferia é ressignificada no cotidiano e por quem narra esse cotidiano.

Recife, 08 de dezembro de 2018

Premiação júri ABD/Apeci - 6º Recifest - Festival de Cinema da Diversidade Sexual e de Gênero


A ABD-PE/Apeci (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta metragistas de Pernambuco / Associação Pernambuca de Cineastas) representada por Marco Bonachela, membro da diretoria colegiada da associação; Mariana Souza, estudante, curadora e crítica de cinema; e Sophia William, multiartista, preparadora de elenco e produtora cultural; analisaram as sessões competitivas das mostras pernambucana e nacional do 6º Recifest, com a missão de premiar produções que apresentassem um viés político e social que dialogassem com o contexto atual de nosso país.

Primeiramente, destacamos, antes dos premiados em si, a visível preocupação da equipe de curadoria do evento em fazer deste um festival DE FATO condizente com sua proposta de diversidade sexual e de gênero.
O corpo, primeiro de todos os territórios, é também o primeiro a ser demarcado. As demarcações dizem a quem esse lugar pertence e quem é ou não bem vindo a ele. Mas o corpo, inevitavelmente, está sempre situado: a terra que esses corpos habitam também é um campo em disputa. Ao colocar o corpo trans em luta pelo direito a moradia, é possível, além de discutir a existência trans, pautar questões político-sociais relevantes e urgentes no Brasil. Fornecer a outros corpos o direito de escolha no destino de uma narrativa, é romper o retrato histórico no qual esses sujeitos nunca tem poder de decisão: restitui-se, mesmo que ficcionalmente, o controle sobre elas mesmas. Por transpor a ideia de territorialidade e autonomia, numa forma documental inovadora e intrigante, o júri premia “Estamos Todos Aqui”, de Chico Santos e Rafael Mellim.

Contar uma história sem terceirizar bandeiras é uma das saídas possíveis ao ciclo de vaziez e lugares comuns aonde o cinema insere algumas representações. A ficcionalização de novas possibilidades reflete também a inserção de outros sujeitos enquanto criadorxs e protagonistas de suas próprias histórias. “Preta, pobre, favelada, MC e sapatão”, um corpo ciente e em estado manifesto no mundo. A esse corpo, o afeto e a expressão de si, seriam facilmente negados. Por reforçar a possibilidade de poder e por possibilitar a partilha de afeto e arte para um sujeito histórico marginalizado, o júri não poderia deixar de premiar também “MC Jess”, de Carla Villa-Lobos.

A partilha de afeto é privilégio. A quem esse privilégio serve? Num contexto de retorno ao território original, nos encontramos com os fantasmas e feridas do passado. Encará-las é um ato de coragem. Encontrar amor e compreensão deveria ser direito e não privilégio. Por retratar de maneira sensível e esperançosa as relações familiares de pessoas transsexuais e a retomada do que lhe é negado, o júri da ABD-PE/Apeci concede menção honrosa ao filme “Jéssika”, de Galba Gogóia.

Viver sendo quem se é, é um ato de extrema resistência. Em lugares afastados dos grandes centros urbanos, ainda mais. Por se fazer uma força que move e presentificar sua existência política no interior de uma cidade do nordeste, o júri – entre os filmes pernambucanos – premia como melhor curta “Desyrrê”, de direção coletiva.

Recife, 24 de novembro de 2018.

Premiação Júri ABD/Apeci - 11º Janela Internacional de Cinema do Recife


Aconteceu de 07 a 11 de novembro o 11º Janela Internacional de Cinema do Recife, no Cinema São Luiz.
Mais uma vez a ABD-PE/Apeci compôs um júri no festival e premiou melhor curta-metragem nacional do festival. Este ano o júri foi composto por três mulheres, sendo duas representantes da ABD/Apeci e uma indicação do Mulheres no Audiovisual PE. Conheça:


Iris Regina, nascida no interior de São Paulo graduada em Licenciatura Plena em Artes Visuais. A quase 10 anos em Pernambuco atua como educadora popular e designer. Participa do Cineclube Bamako de Cinema Negro e da FEPEC (Federação Pernambucana de Cineclubes) onde teve a oportunidade de participar de alguns juris e curadorias do Estado. Integra também, o Coletivo Cabelaço-PE de mulheres negras. Já realizou trabalhos em várias áreas da cadeia do audiovisual, incluindo o clip de Lia de Camaragibe, ganhador do prêmio de melhor video clip no FESTICINE 2017. Hoje está na equipe do curta-metragem "A Faísca" de Gabriela Monteiro. Hoje é pós-graduanda em Arte e Tecnologia pela Faculdade Federal Rural de Pernambuco e está trabalhando no seu primeiro curta metragem.


Vitória Liz, mulher, preta & bissexual. Graduanda do quinto período de Cinema na UFPE. Fui integrante do Janela Critica de 2017 e parte da Comissão de Seleção de Longas do Festival de Cinema de Triunfo de 2018. Pensei arte e figurino pros filmes universitários O Fio e Noite Fria, que chamaram atenção pro cinema negro sendo produzido por estudantes no Recife.

Rayanne Layssa, mulher negra, 25 anos, estudande de Cinema da UFPE. Fez parte da construção do festival Sercine ( Festival Sergipe de Audiovisual) de 2013 à 2015, foi assistente de curadoria na última edição do Fincar ( Festival Internacional de Realizadoras), atuei como curadora audiovisual no III Festival Palco Preto, um festival independente de arte negra. Pretendo trabalhar e pesquisar curadoria, principalmente voltada para o protagonismo e a formação de publico negro.
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**** PRÊMIO ABD/Apeci - MELHOR CURTA-METRAGEM NACIONAL ***
Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas de Pernambuco/Associação Pernambucana de Cineastas representada por Rayane Layssa indicação do MAPE (Mulheres no Audiovisual PE) estudante de cinema e curadora, Vitória Liz estudante de cinema e diretora de arte/figurinista e Iris Regina cineclubista e artista visual analisaram 10 filmes da mostra competitiva de curtas nacionais.

A recusa a associação de certos corpos à imagens de violência fortalecem a expansão de outros imaginários, costurados por ternura, afetos e sonhos. Pela sensibilidade em construir narrativas que atravessam a subjetividade desses corpos, a Menção Honrosa vai para “BR3” de Bruno Ribeiro.

O Cinema sempre cultivou um olhar eurocêntrico sobre o mundo, legitimando imagens excludentes de dores, sensibilidades e imaginários de corpos historicamente deixados á margem. Quando esses sujeitos excluídos passam a acessar esse lugar de criação de seus próprios universos, os signos passam a ser outros e esses antigos passam a ser questionados. Pelo enfrentamento ao criticar os privilégios da branquitude (inclusive da esquerda), a Menção Honrosa vai para “Quantos Eram Pra Tá?” um filme de Vinicius Silva.

Dicionários informais e colaborativos que surgem na primeira página do Google definem a palavra “abismado” de jeitos diferentes. Por exemplo, um diz que fala sobre aquele que se precipita, cai, se encontra dentro, ou se afunda no abismo. Ou: aquele que expressa espanto, admiração. Assombro, maravilha. E, por ultimo, pessoa em estado de abismo.
Por propor uma reflexão sobre as complexidades da saúde mental da juventude preta a partir do desejo de compartilhar suas próprias experiências, o prêmio da ABD/FAPEC vai para “BUP” de Dandara de Morais. Um filme cheio de abismos.

Premiação Júri ABD/Apeci - 11º Festival de Cinema de Triunfo



Entre 06 e 11 de agosto aconteceu a 11ª edição do Festival de Cinema de Triunfo, na cidade de Triunfo, sertão do Pajeú pernambucano.

O júri da ABD/Apeci, formado por Cíntia Lima, Uilma Queiroz e Thayná Almeida, premiou os filmes a partir do seguinte texto:

Mostra competitiva de curta-metragem nacional.
Filme: 11 minutos (Hilda Lopes Pontes).
No Brasil a cada minuto uma mulher é estuprada.
Para que o feminicídio fosse reconhecido como crime de ódio a mulher, foi necessário que uma mulher fosse presidenta.
51% da população brasileira é composta por mulheres e 54% de negras e negros.
A linguagem audiovisual pode servir para denunciar a violência ou para reforça-la.
Muitas vezes o que é justificado como  denúncia na tela se não bem conduzido, nos faz revisitar a violência e até fetichiza-la.
O filme 11 minutos se destaca por atuações precisas e maestria na representação dos simbolismos do machismo. A direção de Hilda Lopes Pontes, explicita a misoginia cotidiana a partir da representação do agressor, não como um monstro, mas como um homem comum, que nos deparamos em casa, na rua, no trabalho, convidando os homens comuns a refletir sobre suas práticas machistas.

Evocar a presença de outras mulheres fortalece em nós a coragem para continuar lutando para mudar essa realidade.
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Menção honrosa:
Filme: Maria (Elen Linth e Riane Nascimento).
Um filme em primeira pessoa.
Elen Linth e Riane Nascimento nos apresentam não só um filme sobre a mulher Maria, mas com Maria.
Diante das ausências no cinema, esse filme afirma a resistência e a existência dessas mulheres.
Aqui Maria não é só uma personagem, ela é a poesia e a poética.
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Mostra competitiva de curta-metragem Pernambucano.
Filme: Nome de batismo - Alice (Tila Chitunda).
A diretora Tila Chitunda partilha conosco a angústia de enfrentar seu próprio imaginário, e enfrentar o seu imaginário é uma forma de manter-se viva.
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Mostra competitiva de curta-metragem Sertões.
Filme: Tempo circular (Graci Guarani).
A Pankararu Graciela Guarani nos convida a uma reflexão sobre o tempo que  não se encaixa na linearidade das narrativas ocidentais, pelo contrário as tensiona ao mesmo tempo que apresenta uma outra forma possível de lidar com o tempo integrando presente, passado, futuro, trazendo a ancestralidade como algo atemporal.
Sob a direção de Graci temos a oportunidade de conhecer uma outra história do povo indígena, falando de sí, dos seus, para os seus e para o mundo.
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Menção honrosa:
Filme: Òpárá de Òsùn: Quando Tudo Nasce (Pâmela Peregrino).
Com o título em Iorubá, língua africana trazida para o Brasil, a animação de Pâmela Peregrino Òpárá de Òsùn se apresenta como um instrumento do povo de terreiro para reivindicar uma outra história sobre a criação do mundo.
Num contexto em que o Estado brasileiro se alia mais uma vez ao capital para criminalizar as práticas de imolação dos animais nos terreiros, “Quando tudo nasce” é um instrumento pedagógico, sensível e potente, para quebrar com a visão demonizada historicamente construída das religiões de matriz africana, e conectar o público a ancestralidade.