terça-feira, 12 de novembro de 2019

Carta do Júri ABD/Apeci - XII Janela Internacional de Cinema do Recife



Carta do Júri ABD/Apeci - XII Janela Internacional de Cinema do Recife
















No Brasil, o ano de 2019 se mostra uma perversa movediça política que destitui cotidianamente garantias individuais e coletivas de cada um de nós aqui reunidos, trabalhadores da cultura e do audiovisual. O esfacelamento da política cultural através da extinção do Ministério da Cultura, a censura de obras, a insegurança sobre a manutenção dos acordos da ANCINE, a manipulação política sobre as cadeiras do onselho Superior de Cinema são alguns dos ataques que sofremos.

Nesse cenário, é da maior importância lutarmos coletivamente pela manutenção dos espaços de produção e exibição que se transformam em espaços de luta pelas garantias básicas de dignidade ao nosso pleno exercício profissional e por uma política cultural democrática e popular.

A mostra competitiva de curtas brasileiros deste ano reforça a necessidade de reconhecer e dar suporte às obras audiovisuais dos povos originários, infelizmente pouco representados no festival; das pretas e pretos; das travestis, transexuais e todos aqueles que não se conformam as normativas do cis-tema, como fundamental para criar novas leis e garantir uma mudança de rota em direção à construção política, cultural e social do país que queremos: democrático, popular, diverso e inclusivo.

A ABD/APECI - Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas / Associação Pernambucana de Cineastas e o júri aqui formado por Danielle Valentim, Juliana Gleymir e Ícaro Muniz tem como papel dentro do Festival apontar o filme que se destaca a partir da representatividade social e política e reconhecer a criatividade da obra.

Por expressar o ponto de vista das milhares de pessoas negras que sofrem com as perversas práticas punitivas do Estado; contra o genocídio da população negra e pelo abolicionismo carcerário, a primeira menção honrosa vai para: Sete dias em Maio, de Affonso Uchoa.

Pela necessidade de reafirmar as relações de afeto e sua importância, inclusive política, pela qualidade técnica e estética propondo formas criativas de cinematografia, a segunda menção honrosa vai para: Looping, de Maick Hannder.

O curta Ilhas de Calor, do alagoano Ulisses Arthur, é pautado por críticas à estrutura social que atropela o cidadão em diversos aspectos: a falta de acesso à educação e qualidade da mesma; o descaso com o ofício dos professores; a construção de uma masculinidade perversa que pauta formação de jovens e os insistia à violência contra as mulheres e os homosexuais, etc. Porém em meio a tantas críticas o filme traz uma mensagem positiva construída através do afeto e da união que são apresentados como ingredientes essenciais à transformação social.

Por um cinema protagonizado por travestis pretas e macumbeiras que nos concedem o êxtase de olhar na tela do cinema a potência da força criativa e de transformação social do audiovisual através dos mapas de liberdade traçados pelas experiências de vida das travestis, pela resistência das religiões de matriz africana que estão sob ataque, pela contravenção das formas de fazer cinema, contra as hierarquias racistas, misóginas e classistas das canonizações cinematográficas, pela visibilidade e vida de todas às travestis, o prêmio de melhor filme vai para: Para todas as moças, da Castiel Vitorino.

Por fim, gostaríamos de destacar a importância da união da nossa cadeia produtiva como um todo, que vai dos produtores independentes do agreste e do sertão pernambucano, passa pelos jovens pretos e pretas das periferias de Recife e chega às grandes produções que levam o nome do nosso cinema pro mundo. É de extrema importância entender as nossa especificidades e diferenças e nos fortalecer nelas para assim, criar uma forma artística plural, democrática, popular e igualitária de se fazer cinema! Avancemos!

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