sábado, 23 de novembro de 2019

Premiação Júri ABD/Apeci | 7º Recifest - Festival da Diversidade Sexual e de Gênero



                                Foto: Arquivo Recifest


Estamos vivendo tempos nebulosos, onde sofremos diversos tipos de retrocessos na construção ideológica, econômica e política de nosso País. O governo federal parece estar empenhado em destituir todas as leis que nos protegem, todas as iniciativas que nos apóiam, todas as janelas de projeção que possuímos e a cultura aparenta ser um de seus principais alvos. Censurando filmes em mostras, acabando com editais de incentivo a cultura, criminalizando e perseguindo ativistas. Até então, nossa geração nunca havia se deparado com esses retrocessos. Lgbtqi+, mulheres, povos originários, negres, comunidades e povos tidos como minorias sociais, nesse contexto são as que mais sentem. No entanto, resistimos criando novos horizontes e narrativas que contradizem a lógica imposta a nós.

Talvez eles tenham tanta consciência quanto nós de que os meios de cultura e educação são nossa principal arma de contra-ataque a esses retrocessos. Talvez eles saibam tão bem quanto a gente, que a revolução será negra, feminista, indígena, sapatão, bicha, trans e travesti. Que quando temos consciência de nossas subjetividades, das questões que nos atravessam, possuímos também o poder de questionar o que nos acontece, porque acontece, e almejar aonde e qual lugar desejamos ocupar. E isso é uma arma bastante poderosa, pois almejamos ocupar todos os lugares.


O audiovisual se mostra como uma importante ferramenta nessa luta, pois através dele conseguimos contar nossas próprias narrativas. Espaços como o Recifest são de extrema importância, pois resistem a esse momento de cortes de investimentos e de perseguição, e são uma janela de projeção para compartilhar nossas vivências, questões e criar redes de fortalecimento.


A ABD/APECI - Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas / Associação Pernambucana de Cineastas e o júri aqui formado por Lilit BandeiraLaíse Queiroz e Thiago das Mercês tem como papel dentro do Festival apontar o filme que se destaca a partir da representatividade social e política e reconhecer a criatividade da obra.


Pela capacidade narrativa concisa, direta e sensível, pela potência que é alcançada quando conseguimos expor nossas maiores questões buscando fortalecer os nossos, pela força da produção feita de forma independente em meio a tanto retrocesso político, decidimos oferecer uma menção honrosa para o filme pernambucano Cinema Contemporâneo, de Felipe André Silva.


Trazendo sensibilidade ao retratar a figura feminina lésbica preta de maneira tão forte e combativa, diante de contextos tão agressivos e repressores, e que atingem principalmente a comunidade negra no Brasil. E trazendo inovações técnicas e estéticas que ajudam no aprofundamento da narrativa e a entender o subconsciente das personagens, sem apresentar de maneira obvia as questões que atravessam suas existências. Conseguindo não só manter a atenção do público até o fim, como criando empatia pelas personagens e surpreendendo a todos no final, oferecemos uma menção honrosa para o filme paulista A Felicidade Delas, de Carol Rodrigues.


Pela resistência de bixas pretas e travestis num contexto tão duro e conservador, um filme que através do fascínio nos apresenta uma luta que atravessa a identidade de gênero e o próprio lugar do gênero numa data cívica de grande simbolismo para o país. Por ser fundamental na luta pela identidade cultural da população nordestina LGBTQI+, oferecemos uma menção honrosa a todos os viados e travestis de fanfarra, pelo lindo filme baiano balizando em 2 de julho de Fabíola Aquino e Marcio Lima.


Considerando a importância de fomentar o debate interseccional, trazendo a classe e a raça como pontos fundamentais para se entender as individualidades e a complexidade das questões identitárias, por trazer todas essas questões navegando pelo campo do sensível, da empatia e do afeto, pela potência política e pelo fortalecimento de mulheres lésbicas negras e periféricas. Uma outra história pode ser contada para todas e todes nós, corpos dissidentes, pois é nossa a potência de através do afeto, resistir. O Prêmio de melhor filme pela ABD/APECI vai para Minha história é outra, de Mariana Campos.


Seguiremos firmes e fortes entendendo a cultura como parte fundamental da formação identitária, não por acaso atacada diretamente pelo governo. Seguiremos produzindo, fortalecendo e valorizando as produções lgbtqia+, pretas, indígenas, periféricas, sertanejas, etc, e lutando pela construção da nossa própria narrativa. De um país mais justo e prospero para todes. 


Recife, 22 de novembro de 2019.

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